Parecia que o dia ia ser calmo na capital, um
homem tranquilamente se barbeava em sua casa. Ele se chamava Robson, tinha os
olhos verdes, cabelos pretos, com corpo sarado, devido a grande parte do tempo
que passava na academia se exercitando. Isso o ajudava a relaxar. Estava
vivendo a plenitude de seus 40 anos. Em sua opinião, a felicidade tinha chegado
agora que estava mais maduro.
Quando acabou seu afazer, tomou um banho, a
água estava fria, pois o chuveiro inventou de queimar justo naquele dia. No
começo o choque térmico foi horrível, a sensação desesperada da temperatura do
corpo e da água tentarem achar um equilíbrio térmico, mas à medida que o tempo
passou se tornou refrescante. Com os olhos fechados, a água fria do chuveiro
escorria como uma cachoeira, isso o ajudava a se acalmar e podia refletir,
nesse contratempo. Seus pecados passaram em sua mente e ele abriu os olhos. Então
pôde ouvir seu celular tocar.
Enxugou-se e caminhou nu até o aparelho. Sua
esposa estava em sono profundo completamente nua. “A noite de ontem, sugou toda
a sua energia” pensou. Sorriu sentindo-se o maioral, ele a amava muito. Tinha
um corpo lindo bem cuidado, agora somente sua barriga que estava crescendo nos
últimos meses. Estava animado para ser papai. Só não entendia como não acordava
com aquela barulheira toda, ainda mais na véspera de natal, onde tinham muitas
coisas para arrumarem. O dispositivo eletrônico “esgoelou” ainda mais alto querendo
sua atenção. Ele suspirou:
__ Detetive Almeida falando... Sim... Entendo,
estou indo. – sua expressão estava séria, nem na véspera do natal tinha uma
folga.
Belo Horizonte tinha seus pontos positivos e
negativos, paisagens bonitas e outras que davam repulsas. Dirigir ali estava
cada vez mais impossível, a violência estava aumentando muito e agora um crime
ali perto de sua casa, em um dos bairros mais nobres da cidade. Que horror!
O detetive Almeida foi entrando no lugar que
estava isolado, tinha umas cinco pessoas lá dentro onde a perícia trabalhava. A
casa era rodeada por curiosos em busca de divertimento com o sofrimento alheio,
para fazerem expressões falsas de “Meu Deus que tragédia, eram pessoas tão
boas”. Acostumou-se a isso devido há
anos trabalhando com crimes.
Dentro da imensa casa, se ninguém conhecesse
a capacidade humana para o sádico, diriam que as paredes eram vermelhas.
__ Se chamava Lucas Gonçalves, era casado,
tinha 38 anos e dois filhos. Trabalhava no mercado central com uma lojinha de
queijos. – dizia um dos policiais
__ Alguma chance de serem por causas das
drogas. – indagou Robson
__ De acordo com os vizinhos, era um pai
exemplar e até participava de um projeto antidrogas na escola da filha de oito
anos. Acho que não, detetive Almeida.
__ Entendo. O que a perícia tem a dizer? –
falou o detetive procurando o responsável
__ Estou aqui, Robson. – falava o perito
Clayton Silva era perito criminal da polícia
civil há cinco anos com seus 30 atualmente. Era loiro com olhos pretos, magro
não definido, usava óculos e um boné.
__ De acordo com o nosso relatório, alguém
tocou a campainha, a vítima atendeu levando um soco na face (encenava), isso explica
aquela mancha de sangue (apontou) e achamos um dente. Lucas caiu no chão e
bateu a cabeça na quina da mesa da sala. Rastejou até perto do sofá, onde teve
seu corpo virado para cima e teve sua carótida cortada, jorrando seu sangue por
toda a casa.
__ Isso explica o espectro? – disse o homem
de olhos verdes apontando para o sofá
__ Sim, o assassino estava ali naquela parte
que não tem sangue, um pedaço da cena do crime ficou nas vestes do assassino.
__ Bom trabalho, me avise se descobrirem mais
alguma coisa. Você viu meu parceiro?
__ Deixe comigo. Ah! O detetive Antônio está
lá fora interrogando os curiosos para ver se consegue algo.
__ Entendi, vou vê-lo.
Desde que entrara na polícia civil como
investigador vinha trabalhando com Antônio, um homem afro descendente muito
elegante. Adorava sempre se vestir bem com ternos caríssimos. Ele ia todos os
domingos a igreja, e frequentava a mesma academia de Robson. Tornaram-se
grandes amigos com o passar dos anos, de vez em quando ele se juntava ao
detetive Robson, para passar o natal junto com ele e sua esposa. Sua família
morava longe, não animava viajar era o que dizia, preferia ficar entre amigos.
Tinha 39 anos, e era muito forte.
__ Como vai meu amigo? – dizia o homem elegante
a apertando sua mão
__ Melhor, se isso tudo não fosse à véspera
do natal.
__ Verdade, nem nesse clima de paz e amor do
fim de ano sossegam.
__ Descobriu algo?
__ A vizinha disse que viu um carro estranho
estacionado ontem à noite, um modelo esportivo preto sedan bem diferente, pode
ser importado, aparentemente sem uma placa identificada. Ficou por um tempo bom
e depois saiu discretamente.
__ Muito estranho. – pensava o detetive
De repente o celular de Antônio toca, ele
atende e faz uma expressão de surpresa, depois volta a sua expressão séria, “Entendido,
sim, ele está aqui comigo” e desliga:
__ Não me diga que...
__ Vai ser uma véspera de natal trabalhoso, o
delegado ligou, mais dois assassinatos.
As casas eram próximas e o método de
extermínio usado foi o mesmo do anterior, as vítimas eram Daniel Fernandes e
Bruno de Alcântra. Tinham mais ou menos a mesma idade de Lucas. A perícia determinou
a hora das mortes muito próximas entre si, dessa vez conseguiram achar sangue
nas unhas de Bruno que tinha entrado em luta corporal com seu algoz, cravando
suas “garras” na pele dele, transformando isso em uma evidência do crime, com
isso a perícia teria o DNA do assassino. Caso este já tivesse ficha criminal
seria possível encontrá-lo pelo banco de dados. Ou então quando achasse um
suspeito, ele teria seu sangue analisado e comparado com o encontrado no local
do crime. Os detetives chegaram a um consenso, de que se tratava de uma mesma
pessoa que tinha cometido aqueles três crimes. Mesmo naquele pequeno espaço de
tempo ele até ganhou um título, “O assassino do natal”.
Já era tarde, mas Robson não conseguia sair
da delegacia. Sabia que deveria estar esperando o natal com sua esposa. “Onze
horas” pensava. De repente o telefone de sua mesa toca.
__ Detetive Almeida... – disse com uma
expressão séria atendendo
__ Robson, aqui é a Gabriele, por favor...
Venha para casa... Estou com saudades – falava sua esposa com uma voz chorosa
Ele disse que logo estaria com ela e então
sua mulher desligou. O coração do detetive bateu acelerado, o suor desceu por
sua testa, no interior daquele terno agora parecia o inferno. Milhares de
imagens passaram por sua cabeça, aquela com certeza não era a voz de sua parceira,
que na véspera de natal costumava ficar tão animada.
De repente, um barulho de e-mail recebido no
seu computador interrompeu seus pensamentos assustados, ele olhou, leu e releu.
Arregalou os olhos.
__ Não acredito, mas que filho da puta... –
uma lágrima escorreu pelo seu rosto
Saiu como louco, pegou seu carro que era esportivo
preto sedan e correndo pelas ruas da metrópole se dirigiu a sua casa. Quando
chegou abriu-a rapidamente e entrou. À medida que caminhava foi sentindo uma
sensação ruim, sua garganta estava seca. Tirou o blazer, pois estava suando
horrores e caminhou até o quarto.
__ Nããããããããoo! – gritou – Não... Gabriele!
Sua esposa estava nua e morta na cama, seu
pescoço foi cortado.
__ Me deixa acender a luz para você ver
melhor, detetive. – disse uma voz grossa
A raiva cresceu dentro de Robson, uma
tristeza profunda de perder a única pessoa que já tinha amado na vida surgiu.
Lembrou-se quando iam fazer piquenique no parque e ele sempre se lambuzava de
geleia, ela dizia que levava de propósito para poder tirar dele com beijos. Conheciam-se
desde o colegial. Perdera a sua companhia para a vida, e ela ainda estava
grávida. Chorava muito com um ódio no coração. Quando a luz acendeu reconheceu
o assassino, já tinha descoberto antes de ir para ali, mas mesmo assim não
acreditava. O quarto iluminado, que era azul das águas cristalinas, da calmaria,
tinha sido pintado involuntariamente, pelo vermelho sangue da morte, o rubro do
crime.
__ Antônio! – exclamou com fúria
Ele ria, o assassino cruel estava gargalhando
com a arma de Robson numa mão, a outra estava com luva, segurava uma faca
ensanguentada. Usava um terno preto de luxo. O detetive Almeida perguntou o
porquê de tanta maldade.
__ Meu nome é Luciano Marques, não se lembra
de mim. Permita-me ajudá-lo, lembra-se do “pretinho”, “pau de fumo” e outros
apelidos grotescos que me deram?
Os olhos de Robson se arregalaram e seus
pecados surgiram na sua mente. Não acreditava que isso tinha voltado à tona.
Engoliu seco e o suor não parava de descer. Encarava fixamente Antônio, ou
melhor, Luciano.
__ Eu dei o troco. Estuprei sua esposa da
mesma forma, seu maldito, que você fez comigo, junto com essa vadia que ficava
filmando, com aquele gordo do Daniel, o tapado do Bruno e o pau mandado número
um, que sempre quis ser aceito para seu grupo de merda, Lucas. Seguraram-me, na
época do colégio, naquele banheiro horrendo, mudaram minha vida para sempre.
Tive de fazer tratamento por anos, meu ódio queimou muito por dentro e por
todos esses anos só ganhou mais vigor. Documentos falsos, nova vida, mesmo
rancor.
__ Você vai ser preso maldito! O que você fez
é desumano! – gritou o detetive Robson
__ Não, não... Foi muito bem planejado. Todos
sentirão a minha justiça. Diga você mesmo, afinal analisou o sangue achado nas
unhas do defunto, por conta própria, não foi? Não acharam nada no banco criminal,
então você tentou o banco de oficiais da polícia, não é mesmo?
__ Meu sangue... – fez cara de surpresa o
detetive de olhos verdes
__ Sim, eu guardei daquela vez que você levou
um tiro em serviço. Então forjei a evidência. E o carro, deve ter achado interessante
também, não é meu amigo?
__ Não sou seu amigo, desgraçado. Era o meu
carro que a testemunha viu, maldito, o que está planejando?
__ Foi difícil, mas eu ganhei sua confiança
Robson, ao ponto de você me dar a cópia da chave de sua casa. Levar seu carro à
noite foi moleza, uma pena que não identificaram a placa. Você ainda dá muita
sorte no fim das contas. O que eu me lembro, seu grupo foi desmanchado por uma
briga entre vocês, que quase resultou em morte. Você vai interpretar meu papel
de vítima e assassino. Chegou a sua casa, discute com a última pessoa que
compunha sua trupe nojenta, estupra e mata a sangue frio.
__ Maldito filho da puta, seu esperma... –
Não queria falar – Está dentro da minha esposa!
Luciano gargalhava muito, então enfim parou e
encarou seu ex-amigo com um ar diabólico.
__ Seu esperma está lá, meu caro... Medo de
ter filhos, o que é isso? Sexo só com camisinha, faça-me um favor, vocês eram
casados. E ainda não joga fora essas porcarias. Foi muito fácil essa parte na
verdade.
Robson sentiu seu mundo desabar, tudo que
vivera até ali passou por sua cabeça. Sabia das coisas horríveis que tinha
feito, mas arrependeu-se do passado. Era um novo homem, praticava a justiça
para os fracos principalmente. Mas aquele ser ferido na sua frente jamais
acreditaria na sua versão. Era um monstro de ódio.
__ É o fim, se mate! – enfatizou o afro
descendente
__ Não posso, não vou obedecer a um merda
como você...
__ Vou te ajudar então Robson, eu sei de sua
traição esqueceu. Você me contou tudo, sua filha bastarda, de quem se orgulha
tanto de estar cursando medicina na universidade federal. Ou você estoura os
miolos ou os delas vão voar por aí. Afinal, de toda forma, mesmo vivo você será
procurado.
__ Eu acho que não. – disse o detetive de
olhos verdes sorrindo. Ouviram-se passos. Luciano ficou apreensivo, pois ouvira
também, estranho.
De
repente a porta é arrombada e entra um grupo de quatro pessoas armadas, o assassino
tenta atirar neles, mas está em minoria. Acaba baleado caindo no chão gravemente
ferido.
__ Detetive Almeida, tudo bem? Vimos o vídeo
pela delegacia, corremos o mais rápido possível.
__ Obrigado oficial... Gabi... – ele chorava
abraçando o corpo inerte da amada
Depois se levantou e foi até o corpo do
ex-amigo, este agonizava no solo:
__ Você planejou tudo muito bem, mas esqueceu
do detalhe mais trivial meu caro. Uma coisa que não confiei nem em você, ou na
minha esposa para contar. Uma câmera que escondi nesse quadro do quarto, por
segurança. Eu achei muito estranho, as pessoas que tinham sido assassinadas
nessa véspera de natal, meu carro, meu sangue. Então comecei a suspeitar de
você. Lembrei-me do ocorrido nos tempos de colégio. Deixei meu computador
ligado na delegacia e alertei o pessoal para que observassem. Eu sincronizei a
câmera com o computador quando cheguei à sala agora há pouco.
As explicações do detetive foram ouvidas pelo
ser agonizante, que levantou sua mão ensanguentada dizendo:
__ Jus... Ti... Ça... – então vomitou sangue
caindo para o lado. O assassino do natal estava morto e não podia mais ouvi-lo.
Em seu enterro compareceram pouquíssimas pessoas, todas entenderam seus motivos
para matar, “bullying”, estava na moda. Mesmo assim não acharam que era
justificativa pelo horroroso que fizera.
__ Anderson... Não, Luciano. Você matou uma
mulher inocente e meu filho que ela carregava no ventre. Espero que vá para o
inferno pelo que fez e lá vamos nos encontrar de novo. – falava o detetive
Robson, que segurava um buquê de flores, na sepultura de seu ex-parceiro.
__ Acha que a justiça foi feita? – perguntou
o perito Clayton que estava chegando ali
__ Depende do sujeito que analisar... – falou
cabisbaixo -... A justiça está nos olhos de quem vê.
Os olhos tristes de Robson olharam uma última
vez para o túmulo, saiu sem olhar o profissional da perícia, adentrando-se mais
ainda no cemitério. Ia começar a chover em breve, previu isso pela quantidade
de nuvens acinzentadas, não podia ficar preso ali por mais tempo, precisava
ainda colocar aquelas flores no túmulo de sua falecida esposa, e passar o natal
com a filha como combinara.
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