segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O amor no sorriso da criança



Isabela era uma mulher linda, tinha seus 25 anos, cabelos negros, lisos e longos. Seus olhos castanhos hipnotizavam a maioria dos homens. Era branca e tinha um corpo esbelto, que despertava a luxúria dos machos e a inveja das fêmeas. Entretanto como tinha uma forte religiosidade, não se preocupava em sair para paquerar ou se exibir.
Parecia que ia ser um dia comum, apesar de que o calor estava anormal. Trabalhava há muito tempo numa pequena farmácia de Divinópolis, não tinha feito curso superior por ter que ajudar em casa com parte de seu salário, uma vez que o pai estava doente para poder trabalhar e o governo o segurava até quando podia com a possibilidade de aposentá-lo. Assim com sua grande devoção familiar deixou os estudos de lado, entretanto conseguiu seu emprego numa área que admirava muito, e nela há muitas pessoas formadas que ficam abaixo da bela morena em conhecimento. Seu sonho era estudar ali mesmo na cidade que estava, tinha a possibilidade de fazer o curso de seus sonhos, a tão desejada Farmácia na Universidade Federal de São João Del Rey que mantinha um campus no município. A situação de sua família estava melhorando com o aumento que ganhara recentemente, sua mãe mantinha um pequeno salão de beleza na garagem de casa que finalmente começara a render algo. Sua irmã mais nova, Nicole, tinha acabado de fazer 18 anos conseguiu um emprego numa fábrica de tecidos na cidade. Com isso a responsabilidade das contas sairia de seus ombros apenas e seu sonho se tonaria palpável, mais realidade do que fantasia.
__ Acho que se jogarmos um pouco de óleo naquele asfalto com um ovo ele frita, você não acha, Bela? – falava um homem baixo, gordo e careca.
__O quê? – estava distraída a jovem de olhos castanhos – É verdade sim, senhor Benedito.
__ Não me chame assim, já trabalha pra mim há tanto tempo. Não é só porque sou o dono da Farmácia São Tomé que precisa ser formal.
__ Desculpe... Meus pais me ensinaram a tratar nossos chefes assim. – disse sorrindo, com os belos dentes brancos que tinha.
__ Isso mesmo, para de arrastar as asas pra cima da Isabela, velho safado. – dizia uma loira carregando uma caixa de remédios
__ Umas respeitam demais e outras de menos. – reclamou o dono
Todos riram, pois tinham uma relação de amizade com o chefe, não muito comum nos comércios atuais. Junto com Isabela, trabalhava Alessandra de 20 anos, que tinha vasta cabeleira loira, olhos verdes e um corpo lindo também. Além disso, o dono Benedito sempre tentando dar-se bem com uma das duas, mas sempre em vão. Uma farmácia pequena, mas aconchegante.
De repente um homem entra na loja cambaleante, tromba nas prateleiras dos fármacos caindo no colo de Isabela. Molhado em suor, ele grita:
__ Me ajuuudem! – então ele perde os sentidos ficando inconsciente
Todos muito assustados tentam acudir o jovem, entretanto ninguém sabe o que realmente aconteceu. A morena, então com o rapaz nos braços sente seu pulso, percebendo que sua pele estava fria, tenta algo:
__ Tragam-me um doce líquido, por favor. Rápido, Alessandra!
A loira se apressa e traz um vidro de mel, então Isabela começa a passar nos lábios do jovem. Passado alguns minutos a temperatura volta ao normal, o suor tinha parado de sair e juntos colocaram o paciente num pequeno colchão, que tinham nos fundos da farmácia.
__ Uma crise de hipoglicemia, ainda bem que a Isabela percebeu rápido. – falava o dono
__ Realmente... – concordou Alessandra
__ Onde ela está?
__ Está com ele, na sala de inferir pressão.
Preocupada com a possibilidade de acontecer algum outro ataque, a moça de olhos castanhos estava cuidando do jovem. Então este começou a abrir os olhos, que eram azuis:
__ Eu morri... – perguntou
__ Não, por quê?
__ Era essa a intenção, também vejo um anjo quando acabo de acordar, o que acha que vou pensar?
Isabela corou, sentiu o coração bater rápido. Estava acostumada a ouvir elogios, de homens que desejavam apenas seu corpo, nunca se abalava com isso, entretanto o que sentia naquela hora era diferente. Mas uma raiva cresceu também e ela deu um tabefe na cara do homem:
__ Seu idiota! Tanta gente querendo viver e você faz isso, abusado!
O rapaz se chamava Sérgio e tinha 20 anos, com seus olhos azuis fazia o maior sucesso com a mulherada. Adorava beber até cair no chão, acordar em diferentes camas com diferentes garotas. Também era viciado em doce desde menino e comia muito, quando tinha 18 anos descobriu que tinha diabetes, com a vida limitada passou a odiar Deus e quando tocava nesse assunto se irritava profundamente. Achava que se existisse um realmente, não o faria passar por isso. Mas todos se preocupavam em passar a mão em sua cabeça, ninguém antes como aquela jovem de cabelos pretos tinha sido tão radical. Quando recebeu o tapa no rosto e o xingamento, veio em sua mente imagens de cegos, paralíticos, deficientes mentais e muitas outras necessidades especiais. Sentiu-se com raiva de Deus, mas não da bela jovem na sua frente, começou a se sentir ignorante e ridículo. “Muitos lutam pela vida e eu desisto fácil assim” pensava.
__ Me desculpe... Qual o seu nome?
__ Me chamo... O meu nome é... Ah! – ficou toda sem graça
__ O nome dela é Isabela, senhor Sérgio, seus documentos caíram no chão da farmácia.
O rapaz de olhos azuis pegou sua carteira com Alessandra, desculpou-se pelos inconvenientes e saiu dali. Trabalhava como motoboy, no restante do dia se cuidou para manter sua taxa de glicose controlada para não ter outra crise. Tinha o corpo malhado apesar da doença, mantinha o tanto que fosse possível a academia em sua rotina. Achou estranho, podia transar com qualquer mulher, beijar bocas diferentes, as que ele quisesse, mas não conseguia tirar Isabela da cabeça.
Não resistiu mais, e começou a passar todos os dias na farmácia. Arrancava umas palavras da mulher tímida e sentia-se muito feliz somente por vê-la sorrir. Tinha levado tantas mulheres para cama, olhado para tantas bundas e par de seios, todavia só agora tinha parado para reparar como era bonito o jeito de olhar e o sorriso de uma mulher. O de Isabela era ainda mais divino, como se realmente existisse um cupido que tivera lhe atirado uma bela flechada, estava completamente apaixonado como nunca esteve em sua vida. Aos pouco abandonou as bebidas, os cigarros e o descaso com sua doença. Seus amigos nem o reconheceram mais quando o viram saindo do culto evangélico junto com a bela jovem de cabelos negros.
Isabela sentia o mesmo sentimento bom, tinha namorado somente uma vez na sua vida com Leandro, terminara, pois este pensava somente no sexual. Nunca tinha se entregado a nenhum homem, nem mesmo ao seu primeiro namorado como é comum nos tempos de hoje. Seu amor era colegial ou até mais primário, aquele onde somente mãos dadas eram suficientes para acelerar os batimentos cardíacos ou fazer borboletas voarem no estômago.
Passaram dois meses de conversas, sorrisos e brincadeiras. Então num momento corajoso Sérgio pediu-a em namoro. Mais vermelha que um pimentão ela aceitou, entretanto ainda não o levou para conhecer seus pais.
A luxúria resolveu pegar carona no sentimento puro do amor, então Sérgio levou-a a sua casa. O sentimento foi ao extremo, ela não queria saber de mais nada e se entregou ao jovem. Aquilo era loucura, era mais velha do que ele, sua família não ia aceitar. Mas não se preocupou com nada, nem mesmo em se prevenir. Ele muito menos.
__ Por que esta cara Bela? – perguntava Alessandra
Com uma expressão triste bastou a pergunta para desabar lágrimas no rosto da jovem. Amigas desde o colegial, antes mesmo de trabalharem na mesma farmácia, Isabela confiou o seu medo.
__ Ai meu Deus amiga, como você que está sempre tão centrada foi deixar isso acontecer.
__ Eu sei... – ela chorava
__ Escute, você tem que falar com o Sérgio, ele tem o direito de saber disso.
__ Mas já faz dois dias que ele não me liga... Tenho medo que me largue, não quero ficar sozinha nessa situação.
“Será que tinha sido uma burrice?” pensava Bela. Então reuniu coragem e conversou com seu namorado. Ele tinha tido uma recaída alcoólica e por isso com uma vergonha imensa não tinha dado sinal de vida por dois dias.
__ Estou grávida! – ela disse
Nesse momento um temporal caiu na cidade, uma chuva forte. Estavam os dois ali sentados onde se conheceram, nos fundos da farmácia. Ciente da situação de Isabela, Benedito achou melhor que conversassem ali. A chuva parecia que queria dissolver o mundo devido à violência e quantidade que caía. O mundo de Sérgio era pequeno, somente a moto e sua mãe, uma viúva, que passava a maior parte do tempo drogada. Tinha sua doença, uma dúvida se poderia ser um bom pai, isto passava por sua cabeça.
__ Me desculpe... – ela disse chorando tampando a cabeça morrendo de vergonha
__ Nunca vou perdoá-la! – ele disse sério
Aquelas palavras foram como lanças que perfuraram seu coração, imaginava que aquilo ia acontecer, não iria assumir, ela seria mãe solteira, não poderia estudar e o romance da sua vida tinha passado como um trem bala que ela mal vira.
__ Não posso perdoá-la, desculpe... – ele continuou enquanto ela chorava – Não posso mesmo desculpar você por ter... Feito de mim o homem mais feliz da face da terra.
Não acreditou nas palavras que tinha acabado de ouvir, aquilo era surreal. Olhou para ele que começou a chorar, mas de felicidade. Estava mesmo alegre de se tornar pai.
__ Não está com raiva de mim?
__ Como poderia estar com raiva da mãe mais linda que eu poderia ter arrumado para o meu bebê.
Ela sorriu sentindo uma alegria tão grande, que parecia que ia rasgá-la por dentro. As gotas da chuva competiam com as lágrimas do jovem casal. Sérgio, então falou:
__ Não existia significado pra minha vida, meu amor. Eu achava que felicidade significava festas, bebedeiras, até drogas eu usei. Sexo desvairado também. Quando minha doença surgiu, achei que era Deus me punindo por minhas ações, mas foi a minha resistência a ela que me trouxe a crise, e estas me levaram até você. Agora entendo o que é amor de verdade e uma real felicidade tomou conta do meu ser. Eu te amo!
__ Nunca me entreguei a nenhum homem, mas senti que você tinha algo especial. Fico feliz que não me abandonou. Eu te amo muito mesmo, de verdade!
Um beijo aconteceu, um beijo caloroso de amor, de mãe para pai, de amante para amante e de menino para menina. Era simplesmente amor que não pode ser explicado por simples palavras, elas não conseguem manifestar a beleza infinita deste lindo sentimento.
Sérgio abandou completamente sua vida das coisas mundanas. Casou-se com Isabela, depois de ter levado uma surra do sogro bravo quando este descobriu que sua filha estava grávida. Depois aprovou. A vida foi melhorando, o homem de olhos azuis tirou carteira de caminhão, trabalhava dia e noite para que pudessem comprar uma casa. O pai da linda jovem de cabelos negros doou um pedaço do terreno dele para que eles pudessem construir.
Finalmente no mês de outubro num belo dia nasceu um menino, que herdara os belos olhos azuis do pai e os lindos cabelos negros lisos da mãe.
__ Ele se chamará Emanuel, para mostrar que Deus sempre estará conosco. Sua bondade abençoará nosso lar e sempre veremos nosso amor refletido no sorriso de nossa criança. – disse Isabela
A mãe de Sérgio largou as drogas e se tornou uma excelente vó, com a ajuda de todos Isabela depois pôde voltar a estudar onde se formou como primeira da turma. Com a ajuda de seus familiares, marido, próprio esforço e financiamento do banco adquiriu sua própria farmácia. O nascimento de uma criança é uma benção divina que traz ainda mais amor e alegria a vida dos tristes humanos. Apesar dos contratempos da vida real, pode-se dizer que viveram felizes para sempre.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Um bom sobrinho


Meu tio se chama Alberto, ou melhor, se chamava assim. O irmão da minha mãe, mais conhecido como Tibeto sofreu uma parada cardíaca e faleceu hoje de manhã. Era um homem forte como um touro, morreu com seus 85 anos, tinha vasta cabeleira grisalha. Era um pai responsável e um marido honroso, de acordo com o padre. Minha mãe me disse que seus olhos azuis faziam o maior sucesso com as mulheres quando era mais jovem, depois se casou com minha tia Marta.
Na verdade, não era o homem perfeito o Tibeto. A família não comentava muito isso, mas meu tio adorava “pular uma cerca” e se realmente a cada traição minha tia ganhasse par de chifres, então posso dizer que ela teria mais do que um rinoceronte. Não tinha muito contato com ele, mas meu pai fala sempre que devemos comparecer para enterrar os nossos.
No velório todos os homens de terno preto, era um costume muito tradicional na família Silva. Um pouco contra minha vontade compareci aquele teatro da vida real. Não me levem a mal, mas a tia Marta chorava tanto, que daqui a pouco iam precisar de uma pessoa para passar um pano seco no chão. Não é que seja insensível, mas todo mundo sabia das safadezas do Tibeto e como minha tia ficava brava com ele gritando que era melhor que ele morresse mesmo, pois assim receberia uma pensão. Um casamento por conveniência onde o homem assume os gastos da esposa e ela em troca tem os deveres de manter a casa organizada, cuidando como uma empregada doméstica do marido e dos filhos. Hoje em dia isso não é tão mais comum, mas ainda acontece.
Muita gente se debulhava em lágrimas numa falsidade incrível, e me perguntava se alguém ali realmente estava triste com a morte do irmão da mamãe. Até o seu Valdir do barzinho da esquina estava lá, o único sem terno preto, dizendo que o tio Alberto era um grande homem e que sentiria a falta de sua amizade. Bom, não era o que ele estava dizendo quando foi à casa do cunhado do papai dias atrás para cobrar mais de 500 reais em bebidas, que meu tio não tinha pagado. Assim imagino que a morte paga todas as despesas do defunto, apesar de que, tinha ainda a funerária e a construção da sepultura, que ficariam a cargo da minha tia e até sobrou para mamãe ajudar numa “vaquinha” para arrecadar fundos entre parentes. Para Marta, o corpo dele podia ser jogado em qualquer vala e deixado lá para apodrecer, na opinião dela acho eu, que nem pensava que os urubus se interessariam em comer a carne dura daquele “galo” safado. Entretanto ela devia manter as aparências, afinal não é assim que se vive em uma sociedade?
O padre falava umas palavras na hora que o caixão descia, de como o tio era um exemplo para os outros homens. Pude até sentir as velhas se contorcendo em discordância ao sacerdote, na opinião delas o comportamento não deveria ser imitado, mesmo que os indivíduos de nossa família do sexo masculino tivessem grandes histórias que envolvia infidelidade. Pensava se os que não tinham eram realmente fiéis ou espertos demais para serem pegos. Pude perceber que o sacerdote falava somente as palavras bonitas que lhe vinha na cabeça, um discurso apenas da boca pra fora, estava na verdade louco para sair dali e ver o Brasil estrear na copa. E não era somente ele claro, o Tibeto tinha escolhido um péssimo dia para morrer em 2014.
Eu não estava muito sentimental, uma das minhas primas, não filha do tio Alberto, caolha piscava pra mim atrás de seu enorme par de óculos de fundo de garrafa, sorria também com os dentes pontiagudos tortos que tinha. Nesse momento senti uma vontade louca de ir embora, a outra prima filha do falecido gritava e esperneava que queria ser enterrada com ele. Provavelmente estava muito triste, pois ele tinha prometido que daria a ela um “Itudo” se o Brasil ganhasse na estreia. Era idiota demais para perceber a enganação de seu próprio pai, afinal aquele dispositivo não existia.
Não consegui chorar nem fingir que estava triste, me perguntava se era pelo motivo de que tinha sido eu quem matara Tibeto. Ninguém mais sabia disso, era um segredinho entre tio e sobrinho, mas naquela manhã eu visitara o velho que estava numa situação muito precária, cheio de tubos. A enfermeira não estava presente no local, fui visita-lo em seu quarto particular, pelo menos o plano de saúde ele ainda pagava. Novamente fui mais para agradar papai e mamãe, mas conversei muito com ele. Contou-me histórias de quando uma vez teve de esconder embaixo da cama de uma mulher casada que estava “pegando”, pois o marido chegou sem avisar, tinha sido por pouco, outra vez quase levou uma facada em um caso semelhante. Mas Tibeto estava cansado daquela vida de vegetal, me pediu para desligar os aparelhos por um minuto, tempo que seria suficiente para seu coração parar de trabalhar. No começo eu disse não, mas pensei se estivesse no lugar dele se não iria querer o mesmo. Então eu o fiz, depois liguei de novo para não notarem nada. Os médicos tentaram reanima-lo, mas em vão, como sabem. Bom, não acredito que seja um assassino só por isso, até porque foi a pedido do Tibeto. Pensava que se a morte fosse uma mulher, ele estaria na cama com ela agora colocando mais chifres na cabeça da minha coitada Tia Marta. Então assim o enterro acabou-se, todos os “urubus” foram embora, eu fiz minha despedida pessoal e sai no carro que meu tio Alberto tinha deixado no testamento da herança para a pessoa que ele chamou de “bom sobrinho”. 

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Apocalipse elétrico


Era um dia comum, o sol nasceu como de costume. O galo o saudou, e as pessoas saíram para trabalhar. Não sei dizer bem onde começou, a única coisa que sei é que misteriosamente nenhum equipamento elétrico funcionava. Tudo que era alimentado com correntes elétricas sejam elas alternadas ou contínuas não queriam cooperar. As fontes elétricas haviam sumido, descarregadas todas.
Assim os ônibus, metrôs, motos, carros e outros veículos movidos a qualquer tipo de bateria não levavam ninguém a lugar nenhum. As pessoas não podiam se comunicar como faziam usualmente, pois seus celulares não acendiam e muito menos faziam ligações. Não havia mais outra maneira de comunicação no mundo digitalizado, poucos se lembraram das cartas.
O mundo entrou em pânico, as pessoas não entendiam, cobravam de seus governantes uma solução para o problema, mas era global. Muitos suicidaram pela pressão da população, um verdadeiro show de horrores. Outros pediram exoneração de seus cargos políticos, entretanto muitos ainda tentaram de tudo para trazer a energia elétrica de volta, mas todos os esforços foram em vão.
Com o passar dos dias a humanidade regrediu uma era, a que o povo vivia sem eletricidade. Eu particularmente não senti muita diferença, era difícil realmente ficar confortável sem ela, mas continuava tentando levar minha vida, afinal eu já tinha mesmo começado um projeto próprio de não me tornar escravo da tecnologia. Esse tal “apocalipse elétrico”, como era chamado de boca em boca, uma vez que a tiragem do jornal voltou a ser manual com poucas cópias, não me afetou grotescamente. Eu sabia qual era a melhor maneira de diversão que não exigia força elétrica, apenas gostaria de saber se o resto da população mundial iria descobrir a mesma coisa. Minha esperança era que a resposta para isso fosse sim.
Mas eu estava enganado, aqueles mais apegados à tecnologia ficaram loucos aos poucos, com exceção de alguns que ficaram quase instantaneamente. Eram pessoas que tinham se isolado do mundo real, trocado o humano pela máquina e a seiva que alimentava o digital não existia mais. E existiam muitas pessoas assim, os fugitivos da realidade. Os manicômios se encheram e a onda de suicídios multiplicou. Tudo ficou mais caro e escasso, a venda de remédios antidepressivos aumentou de uma forma assustadora.
Enquanto estava na minha aula de natação, com a água agora aquecida por luz solar, pensava que a solução que eu tinha não era a única, havia ainda outras forma de divertir e se isolar dos problemas do que atrás de um monitor de vidro. A prática de esportes era uma dessas saídas, a maioria exigia apenas a energia química do ser vivo.
Os animais voltaram a transportar os seres humanos. Pobres bichos, eu acho que nesse fim do mundo foram eles que levaram a pior com tudo isso. Tinham de transportar um número grande de pessoas viciadas em trabalho, apesar de que muitos desses empregos perderam o sentido de existência sem o fator eletricidade.
À medida que o tempo passou fui perdendo a esperança na população, até que um dia eu fiquei surpreso com uma manchete do jornal que eu vi: “Livros estão vendendo muito, os que não podem comprar estão procurando nas bibliotecas municipais”. Dei meu sorriso, “Eles descobriram meu segredo principal”.
Passou-se dez anos, os livros eram novamente muito valorizados, todos liam e era muito difícil encontrar alguém que não gostasse. Muitas pessoas começaram a escrever e a publicar seus trabalhos. Apesar dos preços altíssimos de cada exemplar pela dificuldade de editorar um livro sem eletricidade, houve uma popularização das bibliotecas de empréstimos. Os governantes nessa nova era literária eram mais cultos e justos, a corrupção foi extinta. Os relacionamentos interpessoais melhoraram muito e o maior gesto de gentileza que virou costume popular era presentear alguém com livros.
Os mais velhos reuniam os mais jovens nas praças para contar histórias, trocavam livros e experiências. Claro que os manicômios ainda tinham muitas pessoas, mas a onda de suicídios baixou significativamente. As principais formas de reabilitar presos e loucos eram o incentivo às boas leituras.
O criar e imaginar salvou a espécie humana de um caos maior e da possibilidade de um fim.
Num belo dia de domingo, as pessoas, que nem se lembravam de mais qualquer dispositivo elétrico puderam presenciar uma lâmpada no poste se acendendo. Junto com ela várias foram sendo energizadas. O mundo novamente foi iluminado. Os carros, motos e outros veículos voltaram a rodar nas ruas novamente, mas desta vez as pessoas tinham descoberto a beleza da leitura. Estavam preparados para a batalha contra a escravidão tecnológica, não precisavam mais se esconder de nada.
Mesmo com tudo parecendo ter voltado ao normal como era entes, a vida de paz continuou, pois o planeta tinha evoluído. Os líderes dos países se reuniram, chegou ao consenso mudar o nome do planeta, a Terra a partir de agora seria chamada Utopia.