Meu tio se chama Alberto, ou
melhor, se chamava assim. O irmão da minha mãe, mais conhecido como Tibeto
sofreu uma parada cardíaca e faleceu hoje de manhã. Era um homem forte como um
touro, morreu com seus 85 anos, tinha vasta cabeleira grisalha. Era um pai
responsável e um marido honroso, de acordo com o padre. Minha mãe me disse que
seus olhos azuis faziam o maior sucesso com as mulheres quando era mais jovem,
depois se casou com minha tia Marta.
Na verdade, não era o homem
perfeito o Tibeto. A família não comentava muito isso, mas meu tio adorava
“pular uma cerca” e se realmente a cada traição minha tia ganhasse par de
chifres, então posso dizer que ela teria mais do que um rinoceronte. Não tinha
muito contato com ele, mas meu pai fala sempre que devemos comparecer para
enterrar os nossos.
No velório todos os homens de
terno preto, era um costume muito tradicional na família Silva. Um pouco contra
minha vontade compareci aquele teatro da vida real. Não me levem a mal, mas a
tia Marta chorava tanto, que daqui a pouco iam precisar de uma pessoa para
passar um pano seco no chão. Não é que seja insensível, mas todo mundo sabia
das safadezas do Tibeto e como minha tia ficava brava com ele gritando que era
melhor que ele morresse mesmo, pois assim receberia uma pensão. Um casamento
por conveniência onde o homem assume os gastos da esposa e ela em troca tem os
deveres de manter a casa organizada, cuidando como uma empregada doméstica do
marido e dos filhos. Hoje em dia isso não é tão mais comum, mas ainda acontece.
Muita gente se debulhava em
lágrimas numa falsidade incrível, e me perguntava se alguém ali realmente estava
triste com a morte do irmão da mamãe. Até o seu Valdir do barzinho da esquina
estava lá, o único sem terno preto, dizendo que o tio Alberto era um grande
homem e que sentiria a falta de sua amizade. Bom, não era o que ele estava
dizendo quando foi à casa do cunhado do papai dias atrás para cobrar mais de
500 reais em bebidas, que meu tio não tinha pagado. Assim imagino que a morte
paga todas as despesas do defunto, apesar de que, tinha ainda a funerária e a construção
da sepultura, que ficariam a cargo da minha tia e até sobrou para mamãe ajudar
numa “vaquinha” para arrecadar fundos entre parentes. Para Marta, o corpo dele podia
ser jogado em qualquer vala e deixado lá para apodrecer, na opinião dela acho
eu, que nem pensava que os urubus se interessariam em comer a carne dura
daquele “galo” safado. Entretanto ela devia manter as aparências, afinal não é
assim que se vive em uma sociedade?
O padre falava umas palavras
na hora que o caixão descia, de como o tio era um exemplo para os outros
homens. Pude até sentir as velhas se contorcendo em discordância ao sacerdote,
na opinião delas o comportamento não deveria ser imitado, mesmo que os
indivíduos de nossa família do sexo masculino tivessem grandes histórias que
envolvia infidelidade. Pensava se os que não tinham eram realmente fiéis ou
espertos demais para serem pegos. Pude perceber que o sacerdote falava somente
as palavras bonitas que lhe vinha na cabeça, um discurso apenas da boca pra
fora, estava na verdade louco para sair dali e ver o Brasil estrear na copa. E
não era somente ele claro, o Tibeto tinha escolhido um péssimo dia para morrer
em 2014.
Eu não estava muito
sentimental, uma das minhas primas, não filha do tio Alberto, caolha piscava
pra mim atrás de seu enorme par de óculos de fundo de garrafa, sorria também
com os dentes pontiagudos tortos que tinha. Nesse momento senti uma vontade
louca de ir embora, a outra prima filha do falecido gritava e esperneava que
queria ser enterrada com ele. Provavelmente estava muito triste, pois ele tinha
prometido que daria a ela um “Itudo” se o Brasil ganhasse na estreia. Era idiota
demais para perceber a enganação de seu próprio pai, afinal aquele dispositivo
não existia.
Não consegui chorar nem
fingir que estava triste, me perguntava se era pelo motivo de que tinha sido eu
quem matara Tibeto. Ninguém mais sabia disso, era um segredinho entre tio e
sobrinho, mas naquela manhã eu visitara o velho que estava numa situação muito
precária, cheio de tubos. A enfermeira não estava presente no local, fui
visita-lo em seu quarto particular, pelo menos o plano de saúde ele ainda
pagava. Novamente fui mais para agradar papai e mamãe, mas conversei muito com
ele. Contou-me histórias de quando uma vez teve de esconder embaixo da cama de
uma mulher casada que estava “pegando”, pois o marido chegou sem avisar, tinha
sido por pouco, outra vez quase levou uma facada em um caso semelhante. Mas
Tibeto estava cansado daquela vida de vegetal, me pediu para desligar os
aparelhos por um minuto, tempo que seria suficiente para seu coração parar de
trabalhar. No começo eu disse não, mas pensei se estivesse no lugar dele se não
iria querer o mesmo. Então eu o fiz, depois liguei de novo para não notarem
nada. Os médicos tentaram reanima-lo, mas em vão, como sabem. Bom, não acredito
que seja um assassino só por isso, até porque foi a pedido do Tibeto. Pensava
que se a morte fosse uma mulher, ele estaria na cama com ela agora colocando
mais chifres na cabeça da minha coitada Tia Marta. Então assim o enterro
acabou-se, todos os “urubus” foram embora, eu fiz minha despedida pessoal e sai
no carro que meu tio Alberto tinha deixado no testamento da herança para a
pessoa que ele chamou de “bom sobrinho”.
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