segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Apocalipse elétrico


Era um dia comum, o sol nasceu como de costume. O galo o saudou, e as pessoas saíram para trabalhar. Não sei dizer bem onde começou, a única coisa que sei é que misteriosamente nenhum equipamento elétrico funcionava. Tudo que era alimentado com correntes elétricas sejam elas alternadas ou contínuas não queriam cooperar. As fontes elétricas haviam sumido, descarregadas todas.
Assim os ônibus, metrôs, motos, carros e outros veículos movidos a qualquer tipo de bateria não levavam ninguém a lugar nenhum. As pessoas não podiam se comunicar como faziam usualmente, pois seus celulares não acendiam e muito menos faziam ligações. Não havia mais outra maneira de comunicação no mundo digitalizado, poucos se lembraram das cartas.
O mundo entrou em pânico, as pessoas não entendiam, cobravam de seus governantes uma solução para o problema, mas era global. Muitos suicidaram pela pressão da população, um verdadeiro show de horrores. Outros pediram exoneração de seus cargos políticos, entretanto muitos ainda tentaram de tudo para trazer a energia elétrica de volta, mas todos os esforços foram em vão.
Com o passar dos dias a humanidade regrediu uma era, a que o povo vivia sem eletricidade. Eu particularmente não senti muita diferença, era difícil realmente ficar confortável sem ela, mas continuava tentando levar minha vida, afinal eu já tinha mesmo começado um projeto próprio de não me tornar escravo da tecnologia. Esse tal “apocalipse elétrico”, como era chamado de boca em boca, uma vez que a tiragem do jornal voltou a ser manual com poucas cópias, não me afetou grotescamente. Eu sabia qual era a melhor maneira de diversão que não exigia força elétrica, apenas gostaria de saber se o resto da população mundial iria descobrir a mesma coisa. Minha esperança era que a resposta para isso fosse sim.
Mas eu estava enganado, aqueles mais apegados à tecnologia ficaram loucos aos poucos, com exceção de alguns que ficaram quase instantaneamente. Eram pessoas que tinham se isolado do mundo real, trocado o humano pela máquina e a seiva que alimentava o digital não existia mais. E existiam muitas pessoas assim, os fugitivos da realidade. Os manicômios se encheram e a onda de suicídios multiplicou. Tudo ficou mais caro e escasso, a venda de remédios antidepressivos aumentou de uma forma assustadora.
Enquanto estava na minha aula de natação, com a água agora aquecida por luz solar, pensava que a solução que eu tinha não era a única, havia ainda outras forma de divertir e se isolar dos problemas do que atrás de um monitor de vidro. A prática de esportes era uma dessas saídas, a maioria exigia apenas a energia química do ser vivo.
Os animais voltaram a transportar os seres humanos. Pobres bichos, eu acho que nesse fim do mundo foram eles que levaram a pior com tudo isso. Tinham de transportar um número grande de pessoas viciadas em trabalho, apesar de que muitos desses empregos perderam o sentido de existência sem o fator eletricidade.
À medida que o tempo passou fui perdendo a esperança na população, até que um dia eu fiquei surpreso com uma manchete do jornal que eu vi: “Livros estão vendendo muito, os que não podem comprar estão procurando nas bibliotecas municipais”. Dei meu sorriso, “Eles descobriram meu segredo principal”.
Passou-se dez anos, os livros eram novamente muito valorizados, todos liam e era muito difícil encontrar alguém que não gostasse. Muitas pessoas começaram a escrever e a publicar seus trabalhos. Apesar dos preços altíssimos de cada exemplar pela dificuldade de editorar um livro sem eletricidade, houve uma popularização das bibliotecas de empréstimos. Os governantes nessa nova era literária eram mais cultos e justos, a corrupção foi extinta. Os relacionamentos interpessoais melhoraram muito e o maior gesto de gentileza que virou costume popular era presentear alguém com livros.
Os mais velhos reuniam os mais jovens nas praças para contar histórias, trocavam livros e experiências. Claro que os manicômios ainda tinham muitas pessoas, mas a onda de suicídios baixou significativamente. As principais formas de reabilitar presos e loucos eram o incentivo às boas leituras.
O criar e imaginar salvou a espécie humana de um caos maior e da possibilidade de um fim.
Num belo dia de domingo, as pessoas, que nem se lembravam de mais qualquer dispositivo elétrico puderam presenciar uma lâmpada no poste se acendendo. Junto com ela várias foram sendo energizadas. O mundo novamente foi iluminado. Os carros, motos e outros veículos voltaram a rodar nas ruas novamente, mas desta vez as pessoas tinham descoberto a beleza da leitura. Estavam preparados para a batalha contra a escravidão tecnológica, não precisavam mais se esconder de nada.
Mesmo com tudo parecendo ter voltado ao normal como era entes, a vida de paz continuou, pois o planeta tinha evoluído. Os líderes dos países se reuniram, chegou ao consenso mudar o nome do planeta, a Terra a partir de agora seria chamada Utopia.

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