Era um dia comum, o sol nasceu como de
costume. O galo o saudou, e as pessoas saíram para trabalhar. Não sei dizer bem
onde começou, a única coisa que sei é que misteriosamente nenhum equipamento
elétrico funcionava. Tudo que era alimentado com correntes elétricas sejam elas
alternadas ou contínuas não queriam cooperar. As fontes elétricas haviam
sumido, descarregadas todas.
Assim os ônibus, metrôs, motos, carros e
outros veículos movidos a qualquer tipo de bateria não levavam ninguém a lugar
nenhum. As pessoas não podiam se comunicar como faziam usualmente, pois seus
celulares não acendiam e muito menos faziam ligações. Não havia mais outra
maneira de comunicação no mundo digitalizado, poucos se lembraram das cartas.
O mundo entrou em pânico, as pessoas não
entendiam, cobravam de seus governantes uma solução para o problema, mas era
global. Muitos suicidaram pela pressão da população, um verdadeiro show de
horrores. Outros pediram exoneração de seus cargos políticos, entretanto muitos
ainda tentaram de tudo para trazer a energia elétrica de volta, mas todos os
esforços foram em vão.
Com o passar dos dias a humanidade
regrediu uma era, a que o povo vivia sem eletricidade. Eu particularmente não
senti muita diferença, era difícil realmente ficar confortável sem ela, mas continuava
tentando levar minha vida, afinal eu já tinha mesmo começado um projeto próprio
de não me tornar escravo da tecnologia. Esse tal “apocalipse elétrico”, como
era chamado de boca em boca, uma vez que a tiragem do jornal voltou a ser
manual com poucas cópias, não me afetou grotescamente. Eu sabia qual era a
melhor maneira de diversão que não exigia força elétrica, apenas gostaria de
saber se o resto da população mundial iria descobrir a mesma coisa. Minha
esperança era que a resposta para isso fosse sim.
Mas eu estava enganado, aqueles mais
apegados à tecnologia ficaram loucos aos poucos, com exceção de alguns que
ficaram quase instantaneamente. Eram pessoas que tinham se isolado do mundo
real, trocado o humano pela máquina e a seiva que alimentava o digital não
existia mais. E existiam muitas pessoas assim, os fugitivos da realidade. Os
manicômios se encheram e a onda de suicídios multiplicou. Tudo ficou mais caro
e escasso, a venda de remédios antidepressivos aumentou de uma forma
assustadora.
Enquanto estava na minha aula de
natação, com a água agora aquecida por luz solar, pensava que a solução que eu
tinha não era a única, havia ainda outras forma de divertir e se isolar dos
problemas do que atrás de um monitor de vidro. A prática de esportes era uma
dessas saídas, a maioria exigia apenas a energia química do ser vivo.
Os animais voltaram a transportar os
seres humanos. Pobres bichos, eu acho que nesse fim do mundo foram eles que
levaram a pior com tudo isso. Tinham de transportar um número grande de pessoas
viciadas em trabalho, apesar de que muitos desses empregos perderam o sentido
de existência sem o fator eletricidade.
À medida que o tempo passou fui perdendo
a esperança na população, até que um dia eu fiquei surpreso com uma manchete do
jornal que eu vi: “Livros estão vendendo muito, os que não podem comprar estão
procurando nas bibliotecas municipais”. Dei meu sorriso, “Eles descobriram meu
segredo principal”.
Passou-se dez anos, os livros eram
novamente muito valorizados, todos liam e era muito difícil encontrar alguém
que não gostasse. Muitas pessoas começaram a escrever e a publicar seus
trabalhos. Apesar dos preços altíssimos de cada exemplar pela dificuldade de
editorar um livro sem eletricidade, houve uma popularização das bibliotecas de
empréstimos. Os governantes nessa nova era literária eram mais cultos e justos,
a corrupção foi extinta. Os relacionamentos interpessoais melhoraram muito e o
maior gesto de gentileza que virou costume popular era presentear alguém com
livros.
Os mais velhos reuniam os mais jovens
nas praças para contar histórias, trocavam livros e experiências. Claro que os
manicômios ainda tinham muitas pessoas, mas a onda de suicídios baixou
significativamente. As principais formas de reabilitar presos e loucos eram o
incentivo às boas leituras.
O criar e imaginar salvou a espécie
humana de um caos maior e da possibilidade de um fim.
Num belo dia de domingo, as pessoas, que
nem se lembravam de mais qualquer dispositivo elétrico puderam presenciar uma
lâmpada no poste se acendendo. Junto com ela várias foram sendo energizadas. O
mundo novamente foi iluminado. Os carros, motos e outros veículos voltaram a
rodar nas ruas novamente, mas desta vez as pessoas tinham descoberto a beleza
da leitura. Estavam preparados para a batalha contra a escravidão tecnológica,
não precisavam mais se esconder de nada.
Mesmo com tudo parecendo ter voltado ao
normal como era entes, a vida de paz continuou, pois o planeta tinha evoluído.
Os líderes dos países se reuniram, chegou ao consenso mudar o nome do planeta,
a Terra a partir de agora seria chamada Utopia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário